domingo, 25 de outubro de 2009

MEMORIAL


Vamos bordando a nossa vida, sem conhecer por inteiro o risco; representamos o nosso papel, sem conhecer por inteiro a peça. De vez em quando, voltamos a olhar para o bordado já feito e sob ele desvendamos o risco desconhecido; ou para as cenas já representadas, e lemos o texto, antes ignorado. E é então que se pode escrever - como agora faço - a "história"...


Magda Soares, Metamemória-memórias

Retalhos de mim


Acontecimentos marcantes – como as manifestações de rua em maio na França, a ofensiva do Tet que mudava os rumos da guerra no Vietnã, a primavera de Praga, as batalhas da polícia contra estudantes no México, no Japão, no Brasil e em outros países –fizeram de 1968 um ano mágico e mítico, a simbolizar a rebeldia mundo afora.


As manifestações brasileiras em 1968 estavam em sintonia com o que ocorria no mundo todo no período, mas tiveram a particularidade de inserir-se na luta contra a ditadura militar e civil que interrompera o processo democrático em 1964.A contestação radical à ordem estabelecida difundia-se socialmente também no cinema, no teatro, na música popular, na literatura e nas artes plásticas.


1968, manifestações culturais diferenciadas cantavam em verso e prosa a esperada “revolução brasileira”, que deveria basear-se na ação das massas populares, em cujas lutas a intelectualidade de esquerda estaria organicamente engajada.


Manhãs de maio. Manhãs em que o frio é gostoso. Em que o sol vem brilhando com menos força. Em que o céu mostra um azul mais bonito. São manhãs que dão gosto de ver.


Numa dessas claras e ensolaradas manhãs, mais especificamente no dia quinze, na típica cidadezinha do interior das Minas Gerais chamada Carmo da Mata veio ao mundo uma menina que amava a vida, as pessoas e os livros.Cresceu perto dos seus pais e avós. Morava em um sítio. Convivia bem com todos os que a rodeavam. Não era uma menina mimada. Sempre tímida e muito sonhadora, gostava de desenhar e pintar.

Lembrava-se do seu primeiro dia de escola como se fosse hoje e ao mesmo tempo com certa saudade ou mesmo nostalgia... A primeira professora... As primeiras letras... O primeiro livro...


Mas tudo foi crescendo, e a menina quis ser. Se fosse,queria...ser médica para “tirar a dor das pessoas”;ser bailarina para “ficar na ponta dos pés”, ser aeromoça para “comer o algodão doce do céu”.A menina começava a transformar-se. A mudança do sítio para a cidade também contribuía para aumentar a agitação já típica da adolescência. A escola era outra e as amizades também... As primeiras confidências... "Segredos de escola”... As tardes na praça com a turma ao som do violão... Nossa linda juventude... Páginas de um livro bom... As risadas... As paixões... O coração de estudante falando mais alto... O que importava era ouvir a voz que vinha do coração...


O tempo passou... A adolescente tímida mulher se tornou... Mas sem esquecer o que um dia escreveu: "E ainda há mais, e preciso de ensino para o ser".Esta menina, que ainda é, e ainda sonha em ser e aprender e conhecer... sou eu....Cibele Monterrey Alvarenga....mulher, guerreira, mãe...Sou um drama que não deu certo, virei comédia... (será que é divina?)Do lado de dentro sou poesia, e do lado de fora sou só prosa...Sou tanta coisa que nem sei como cabem todas dentro de mim.Quanto mais procuro palavras para me descrever, mas sinto que elas me faltam...Talvez seja isso, não tenho definição...


Uma vez tentei ser alguém que eu não era... De repente comecei a perceber que havia muito mais de mim ali do que eu queria que tivesse.Talvez eu seja como um caleidoscópio... As mesmas pecinhas que me compõem podem tomar diversas formas, vai depender de como você vê.Sou assim: mistura de mim, tímidos demais, detalhistas demais, inquietos demais, rebeldes demais, questionadores demais, responsáveis demais, misteriosos demais, românticos demais, tagarelas demais, muitas vezes moleques, peraltas, alegres, tristes, melancólicos. Amo meus familiares. Apaixonada pelo meu casal de filhos adolescentes, sou mãe amorosa...Toda esta mistura depois de separada formam meus eus... Meus retalhos d’alma...


Tudo que eu amo, eu amo com muita força. Inteiramente.Família, amigos, pessoas, música, pôr-do-sol, fotografia, prosear, cores, livros, chocolate, ler em dias chuvosos, fazer rir, gramados, filmes, margaridas... Colecionar instantes, atravessar as entrelinhas do horizonte, correr com o vento...Em minha vida, em tudo que me proponho, costumo ir até o fim. Nunca além dele...Antes eu gostava de ver os vaga-lumes, agora eu corro atrás deles sem medo da escuridão..."


... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ..."

A palavra/Pablo Neruda

Nenhum comentário:

Postar um comentário